quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

PROFESSOR PÚBLICO PODE ACUMULAR OITENTA HORAS SEMANAIS EM NO MÁXIMO DOIS VÍNCULOS



Na semana em que o MP-AP, através do promotor Afonso Pereira, instaura Inquérito Civil para apurar acúmulo ilegal de cargos em órgãos públicos do Estado do Amapá, é extremamente necessário que os professores leiam atentamente a análise do jurista Thiago Mondo Zapelini. 


Em todas as esferas da Administração Pública, a regra é a vedação da acumulação de cargos públicos. Entretanto, como diz o velho ditado: “Para toda regra há, pelo menos, uma exceção”. Nesse caso, as exceções estão arroladas nas alíneas ab e c, do inciso XVI, do artigo 37 da Constituição da Republica Federativa do Brasil, além do art. 38, inciso III (com relação aos vereadores), art. 95Parágrafo Único, inciso I (no que tange os magistrados) e art. 128§ 5º, inciso II, alínea d (para os membros do Ministério Público).

Uma das permissões constitucionais para a acumulação de cargos públicos é a de um indivíduo exercer dois cargos de professor, desde que haja compatibilidade de horários e sua remuneração não extrapole o teto mencionado no inciso XI do artigo 37 da Constituição. Ocorre que, apesar da clara redação do artigo 37, inciso XVI, alínea a, o tema gera inúmeras discussões em processos administrativos disciplinares e em ações judiciais, pela boa, ou má, interpretação do mencionado dispositivo legal.

Com relação à mencionada permissão, muitas demandas são formadas em razão de o ente público entender que há incompatibilidade de horários pelo fato de um individuo exercer dois cargos de professor, com quarenta horas semanais cada um, para duas instituições educacionais do poder público. Acontece que mesmo aparentemente ser uma situação extremamente desgastante para o servidor, nem sempre o é. Além disso, havendo compatibilidade de horários, não há razão para o Estado (latu sensu) impedir que um cidadão possua dois cargos de professor. Caso contrario, estaria cometendo um ato inconstitucional, conforme se demonstrará.
Partindo da interpretação teleológica, que contempla o elemento finalístico da norma, ou seja, o fim para o qual ela foi elaborada, se extrai que a autorização constitucional deste acúmulo “num primeiro momento, ao permitir a acumulação remunerada de dois cargos de professor (art. 37, XVI, a), pretendeu fomentar a educação no País, e, num segundo momento, ao autorizar a acumulação remunerada de um cargo de professor com outro cargo técnico ou científico (art. 37, XVI, b), visou salvaguardar a própria sobrevivência do docente, dado o baixo nível dos vencimentos (todos sabem) que os profissionais do magistério sempre auferiram no Brasil”[1]
Por isso, deve-se prevalecer, em última análise, as supra referidas finalidades desta norma, apenas proibindo o acúmulo de dois cargos de professor quando ocorrer a incompatibilidade de horários ou quando sua remuneração superar o teto constitucional. Como se trata de uma norma restritiva, a interpretação correta é a restritiva, ou seja, não se pode ampliar as restrições da norma. Se as restrições são apenas a compatibilidade de horário, dois cargos de professor, e a remuneração não superior ao teto, não é razoável, nem constitucional, que se crie outros critérios, se não esses.
Entretanto, os entes da Federação tem, lamentavelmente, editado atos (decretos, portarias, instruções normativas, etc.) impondo um limite de horários para aqueles servidores que possuem dois cargos de professor, em flagrante desrespeito ao comando constitucional do art. 37, inciso XVI, alínea a da C. R. F. B. O mais clássico ato administrativo sobre o tema, e que conturbou por muito tempo a correta interpretação do instituto, foi o parecer da Advocacia Geral da União GQ-145, aprovado pelo Presidente da República em 30 de março de 1998.
No aludido parecer, a AGU se manifestou no sentido de que a acumulação de dois cargos de professor com 40 (quarenta) horas semanais cada, geraria inúmeros prejuízos ao próprio servidor e ao serviço público. Razoou essa conclusão pelos desgastes físicos e mentais que os professores submetidos à essa jornada sofreriam e ignorou o fato de a carga horária dos profissionais da educação ser destinada, também, para pesquisa, atendimento aos alunos, resolução de trabalhos e provas, tornando possível o cumprimento das oitenta horas semanais não só na sala de aula.
Corroborando o entendimento da AGU, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão limitou a carga horária dos professores para 60 (sessenta) horas semanais, ao editar o ofício-circular nº 10, de 26 de fevereiro de 2002. Com a elaboração desse ato, a União, através daquele Ministério, criou novo critério para a acumulação de cargos públicos. Todavia, não cabe ao Poder Executivo criar restrições não previstas na Constituição, sobre o assunto.
De outro lado, mesmo sendo inconstitucional a imposição de limite na carga horária dos professores, não é razoável aceitar o argumento de que o servidor, neste caso, terá uma jornada humanamente impossível de se cumprir.
Regra geral, a hora-aula dos professores contabiliza 50 (cinquenta) minutos, o que por si só já reduz a jornada do servidor. Além disso, deve-se reservar tempo para estudo, planejamento, elaboração e correção de provas, trabalhos, que está incluído na carga horária do professor.
Isso decorre do comando legal instituído pelo artigo 67, inciso V da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional), ao aludir que “os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público (caput): período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho (inciso V)”. Além do Decreto nº 5.773/06, art. 69parágrafo único: “O regime de trabalho docente em tempo integral compreende a prestação de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais para estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação”.

Por isso, há professores que, apesar de possuírem carga horária de 40 (quarenta) horas semanais, apenas lecionam em 20 (vinte) dessas horas, sobrando outras vinte para pesquisa, estudo, correção de provas e trabalhos, que podem ser usadas no momento mais adequado ao servidor, ficando ao seu critério escolhê-lo. Assim, há como o servidor usar esse tempo em casa, em sábados, domingos e em outros dias de folga, o que reforça a ideia de não ser impossível uma pessoa exercer essa jornada de oitenta horas semanais, e que não seria excessivamente desgastante fazê-la.
Voltando à questão da inconstitucionalidade da limitação de horário para o acumulo de cargos, há de se reconhecer que qualquer tentativa de ampliação das restrições em acumular, se não por emenda constitucional, é flagrante ato de inconstitucionalidade, o que, em última análise, deve ser corrigido pelo Poder Judiciário.
Felizmente, os Magistrados tem afastado essas ilegalidades, alegando que “cumpre à Administração Pública comprovar a existência de incompatibilidade de horários em cada caso específico, não bastando tão somente cotejar o somatório de horas trabalhadas com o padrão derivado de um parecer ou mesmo de acórdão do Tribunal de Contas da União.”[2]
“Tanto a Constituição Federal, em seu art. 37XVI, como a Lei nº 8.112/90, em seu art. 118§ 2º, condicionam a acumulação à compatibilidade de horários, não fazendo qualquer referência à carga horária. Sendo assim, desde que comprovada a compatibilidade de horários, (...) não há que se falar em limitação da jornada de trabalho”[3].

“Ora, se a lei não estabeleceu abstrata e expressamente o limite da carga horária passível de acumulação, não pode o intérprete inovar o ordenamento jurídico mediante a criação de uma limitação abstrata, surpreender os cidadãos destinatários da norma. Assim, pode um professor com regime de 40h semanais cumular outro cargo de professor com regime também de 40h semanais, restando 8h por dia para descanso.”[4]
A única ressalva para o tema apresentado é no caso de o servidor estar em regime de dedicação exclusiva. Nesses casos, ainda que haja compatibilidade de horários, não poderá o servidor acumular cargos públicos, mesmo que sejam cargos acumuláveis.
Infere-se, então, que nenhum ato administrativo pode estabelecer critérios para a acumulação de cargos públicos, se não aqueles já presentes no texto constitucional. Ainda que seja frequente a elaboração de atos impondo limite de horários, eles não merecem prosperar, pois, são nitidamente inconstitucionais. Dessa forma, sendo os cargos acumuláveis, havendo compatibilidade de horários e respeitado o teto constitucional, não pode o poder público negar a acumulação.
“Assim, por ser a acumulação um direito (nas hipóteses permitidas), há de se concluir que o servidor não pode ser impedido de acumular.”[5]
Thiago Mondo Zappelini

[1] MAZZUOLI, Valério; ALVES, Waldir. Acumulação de Cargos Públicos: uma questão de aplicação da Constituição; prefácio Ministro Gilmar Ferreira Mendes. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. P. 91.
[2]STJ MS 15415/DF, Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 13/04/2011, DJe 04/05/2011.
[3]TRF-2ª Região, AMS 2006510101220-5, Rel. Des. Sérgio Schwaitzer, 7ª. T., DJ de 26/10/2006, p. 207.
[4] MAZZUOLI, Valério; ALVES, Waldir. Acumulação de Cargos Públicos: uma questão de aplicação da Constituição; prefácio Ministro Gilmar Ferreira Mendes. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. P. 94.
[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 29. Ed. São Paulo: Malheiros, 2012. P. 293.



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